O Brasil tem lições a dar à Europa ?

                                                                                                      Sergio da Motta e Albuquerque

Pelo que li no artigo que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicado no El País, o Brasil escapou do desastre porque teve a coragem de adotar uma moeda nova, acionar uma política fiscal realista, privatizar empresas estatais  e ainda criar uma rede de proteção social, que foi o "Bolsa-Família". Ele quer o crédito por tudo. Menos pelo arrocho que ele agora avisa aos europeus para evitar. FHC nos impôs o crescimento zero, e agora preocupa-se com e mesmo cenário na Europa. " As dívidas públicas não estão mais em mãos nacionais", aponta ele. "Com o mundo desenvolvido no centro do problema, o impacto da crise global será pior", avisa FHC.

A Europa está a beira da desagregação. Os banqueiros mundiais parecem não estar em contato com a realidade econômica de seus países. Preferem olhar para os lucros das especulações em moeda. Não admitiram ainda que a dívida de alguns países é impagável. A menos que se mude a natureza das contas, com artifícios contábeis,  ou que se anulem as dívidas dos países do Sul, a Europa vai naufragar...

O governo do presidente Cardoso estabilizou a economia, domou a inflação, e abriu caminho para o crescimento modesto nos tempos de Lula. Que deve ter, por justiça, todos os créditos pelo programa Bolsa-Família. O programa era odiado por todos, e agora, com a crise mundial de alimentos, virou o "bambino d'oro". O caminho que o Brasil traçou, nos anos de 1990, foi incerto e desalentador. Mas permitiu mais tarde os avanços modestos de Lula.

FHC sempre foi adepto de uma política fiscal dura. E única. Não poderia ser diferente: somos um só país. Ele critica a Europa por não ter uma politica fiscal igual. E está certo. Mas como fazer todos os países da UE adotarem a mesma solução fiscal? As nações ainda resistem a um governo central de Bruxelas. A união não foi completa, na Europa. Como dizia Margareth Tatcher, "o nacionalismo não é um sentimento fácil de ser suprimido". Mas os ingleses, e outros países que não aceitaram, parcial ou totalmente, o consenso de Shengen, também não estão em situação melhor. Tampouco o Brasil, que virou satélite agro-exportador da China.

Fernando Henrique Cardoso nada fez para deter a desindustrialização no Brasil. Mas plantou as sementes do Bolsa-Família, com o bolsa-escola e outros programas. Que o PT juntou, melhorou e aprofundou. Mas não podemos viver tendo no horizonte, como nação, uma meta pequena e pouco ambiciosa de "acabar com a pobreza" de 16 milhões de pessoas. Isto não é programa de governo. É a mãe cuidando do filho pobre. E o resto do país? E os programas para alavancar o que sobrou da nossa indústria? Como salvar nosso parque indústrial, que mal saiu do processo de substituição de importações e já sofreu com a transferência de setores inteiros para a Ásia e alhures?

Nem FHC nem a turma do PT apontam caminhos. É fácil dizer agora que o arrocho imposto a nós, com o apoio de FHC, José Serra e outros, vai destruir a Europa. Engolimos tudo e sobrevivemos, as custas de nossos futuro, mas não somente pelas razões apontadas pelo ex-presidente. Sobrevivemos também graças a nossa inserção oblíqua no cenário econômico mundial: não estamos totalmente integrados a economia global, felizmente. O discurso do presidente, publicado no El País,  foi um gol de atacante de segunda -feira: não valeu de nada porque nunca houve jogo...