Sergio da Motta e Albuquerque
Tudo aquilo que você lê, meu caro leitor, também tem suas
origens bem determinadas. E, como quase tudo o que existe no mundo atualmente,
tudo o que está escrito parece que agora busca sua origem obstinadamente. Os
textos e as palavras que descrevem nossa incrível e paradoxal condição não
querem parecer bastardos, renegados ou ordinários. Querem um lugar neste mundo,
como eu e você. E têm todo o direito.
Pois imagine então um homem solitário e sem esperanças, numa
véspera de feriado prolongado. Imaginaram? Não? Vou ampliar o cenário: ele está
só, acabou de jantar, e começou a procurar por notícias num canal de TV por
assinatura. O Rio de Janeiro inteiro, ou grande parte dele, está a dirigir-se
para lugares aprazíveis: as magníficas praias do litoral do Rio de Janeiro, ou
suas montanhas que aliviam o calor dos trópicos.
Ele também quer sair. Mas com quem? Há muito passou o tempo
em que era natural para ele sair às noites sozinho. Agora tudo aquilo acabou:
os amigos, os poucos amores, e as muitas farras a varar as madrugadas. O
burburinho da cidade lá fora ainda se escuta, dentro da grande casa em que ele
se encontra: na sala, à mesa de jantar, perturbado por pensamentos
incontroláveis causados por uma decepção recente. Com ele mesmo e mais ninguém.
È duro quando a gente se cobra e se castiga. Mas nossos erros são como
suplícios romanos rasgando nossas costas, chicotes a lanhar a nossa carne. Não
saber, ou não poder, ou até mesmo não querer se perdoar é a maior dor que
alguém pode infligir a si mesmo.
A sala era grande, longe da rua. Ao lado dela estavam a área
de passagem para os cômodos de serviços, e a grande escada para o andar
superior, escura e de ares vitorianos. A casa foi construída em 1927, no bairro da Tijuca. Que não é centro, não é subúrbio, nem possui as
atrações turísticas da zona sul. Como Sérgio Pôrto, o Stanislaw Ponte Preta descreveu, a tijuca
é um bairro diferente. Consegui melhorar a imagem, caro leitor?
Pois bem, àquelas horas, a agonia era grande, e tendia a
aumentar, quando milagrosamente um determinado documentário-reportagem apareceu
na TV. Era sobre um escândalo de imprensa que abalou o mundo, dada a qualidade
vil de sua gênese: a exploração imperdoável da morte de uma menina morta aos 13
anos de idade. Imediatamente, sua mente limpou-se, para abrigar a imundície que
vem da alma de muitos homens. Homens comuns, como eu ou você. Não são demônios
ou dementes. Não têm problemas mentais, ou ‘traumas de infância’. São filhos da
infâmia, e derramam seu veneno no mundo e levam ao inferno onde nasceram todos aqueles
que os rodeiam.
Ali, a sós, uma história começava. Da solidão e desamparo de
um homem comum de meia idade, e que parece que não ter amadurecido o suficiente
como seus pares. E ele secretamente gostava disso. Porque a magia da escrita
escolhe os indefesos e injustiçados, por vezes. Para dar-lhes uma chance de ser
como os outros. Só isso. Chega de querer ser diferente, de andar sempre só. De
andar a sós dentro de casa nas madrugadas.
Ele queria sair, mas não pôde. Azar, má-sorte, ou, como
dizia Camões, devido a seu “maldito gênio de vinganças”. Ele conhecia seus
defeitos. Ele podia contar uma história. A tristeza por um curto espaço de
tempo aliviou aquele sujeito curioso. E os caminhos abriram-se a sua
imaginação, que o levou para longe, muito longe, de todas as coisas dos homens.
Solidão? Talvez... Tristeza? Não mais. A estrada estava aberta para ele.
Rio de janeiro, 11 de junho de
2012.