Site faz exploração desumana da morte de Amy Winehouse.
Por Sergio da Motta e Albuquerque
"Quando Amy Winehouse vai morrer? - Faça sua previsão". Siga o link e veja o quão baixo pode chegar o ser humano...25/07
"Use o formulário abaixo para tentar adivinhar o dia do último suspiro de Amy e seja coroado Sr. ou Srª Morte. O vencedor será recompensado com com um iPod Touch."
Esta é a tradução literal do site que fazia apostas sobre o dia da morte da infeliz cantora inglesa. A página teve vida curta, como a cantora, que morreu aos 27 anos. Mas vai deixar a marca indelével da infâmia de todos aqueles que aceitaram este tipo monstruoso de humor. Não posso provar que alguém realmente tenha feito alguma aposta macabra no site. O volume insignificante do tráfico do site mostra que era do conhecimento de poucos. Mas a sua simples e desprezível proposição é desumana e cruel: ganhar dinheiro em apostas sobre a morte de um ser humano. Este tipo de mentalidade cruel e desapiedada é que torna o mundo um bom lugar para se viver para sujeitos como Anders Behring Breivik, o matador norueguês.
Este tipo de cultura da morte estimula tudo o que há de pior no ser humano: a volta da intolerância, do anti-semitismo, dos sentimentos anti-islâmicos e do ódio racial. Pior de tudo, estimula a indiferença total ao sofrimento alheio. “Acerte o dia do suspiro dela e ganhe um I-Pod”, diz o site. Nunca vi tamanha ignomínia.... Como puderam imaginar algo assim tão bárbaro, tão maléfico?
Que ninguém se espante, se um homem só causou a paralisação de um país inteiro, e de boa parte do planeta. O poder de um! Um homem alucinado e cheio de ódio, que assassinou quase 100 pessoas na Noruega, e depois friamente entregou-se a polícia. E ainda achou razão para seus atos... Nós vivemos numa cultura que estimula isso. Nós estimulamos isso. Alguém por acaso lembra o deboche que foi a cobertura da Globo, no Fantástico de domingo? Parecia uma festa! Muitos risos, comparações absurdas e outras maldades beirando o sadismo. Uma vergonha! Um dos momentos mais baixos da mídia nacional, nos últimos tempos. "Vamos todos rir da drogada que se matou", parecia ser o ponto de partida da reportagem.
Amy Winehouse tentou corresponder ao que se esperava dela, e morreu por isso. A mídia explorou exaustivamente os excessos da jovem. Se ela por acaso voltasse à sobriedade, duvido muito que voltasse a fazer tanto sucesso. Amy Winehouse morreu sendo Amy Winehouse. Não havia mais nada para ela, neste mundo.
Vá com Deus, Amy. Uns poucos vão lembrar que você um dia foi uma grande cantora. Alguns lembrarão que você teve pais, familia e amigos. Que foi criança, como todos nós. Que brincou, viveu e sonhou. Sonhou sonho de menina: queria ser cantora, e muito famosa. E esta ilusão te levou embora deste mundo. Realizou o sonho e perdeu a vida. Vamos respeitar o descanso da Amy. Vamos calar por um segundo por esta pobre criatura que nunca encontrou seu lugar no mundo. Mesmo tendo, por alguns instantes, correspondido a tudo o que se esperou dela. Pobre Amy, não sabia – não teve tempo para aprender- que atender as expectativas de todos aqueles que nos cercam pode significar nossa sentença de morte. A vida é cruel, Amy. Quanto tempo tivestes para aprender, na tua curta vida de 27 anos?
Eu vou lembrar-me dela com respeito. Sempre. Porque a morte de cada ser humano me dói, me ofende e me faz sofrer. Eu vou lembrar-me da Amy, do Jimi Hendrix, do Jim Morrison, da Janis Joplin, do Duane Almann e de todos os anti-heróis drogados e sofredores. E um dia vou escrever uma ladainha, como aquela que os católicos entoam toda vez que enterram um papa: todos os nomes de todos os Santos são pronunciados. Um a um. São mais de 10 mil. E o coro canta todos eles....
Um dia eu escrevo uma do tipo, com os nomes de todos os que se foram debaixo da maldade e da frivolidade cruel de um mundo que os rejeitou. Seus espíritos hoje voam alto, e lá de cima eles contemplam a perdição de um mundo que se corrompeu a ponto de esquecer que existiu um dia uma virtude chamada piedade, e uma força na alma chamada bondade.
Vá com Deus, linda. Eu vou ficar aqui em baixo mais um pouco. Mas prometo desde já comprar todas as suas brigas. As suas, e de todos aqueles que tiveram suas vozes silenciadas pela maldade do mundo.
Rio de Janeiro, 25 de julho de 2011