Sergio da Motta e Albuquerque
Em
junho de 2015, a
maior parte dos editorialistas do Observatório da Imprensa abandonou
o veículo fundado por Alberto Dines em 1996. Alguns
escreveram
sobre os motivos de seu afastamento. Outros nada disseram. Ou
escreveram. A verdade é que o Observatório foi mais uma vítima da
crise política trazida pela ampliação da Operação Lava-Jato e da
colaboração da imprensa brasileira no cerco da mídia a todos os
governos do PT. Nossa imprensa transformou o partido e a esquerda em
uma piada. Pior, um mal a ser extirpado sem piedade da política
nacional.
O antigo editor
recomendou minha continuação. Eu tentei, mas não houve condições
de continuar a colaborar com eles. O Observatório acabou cercado por
todos os lados. A “redação” acabou reduzida a umas poucas
pessoas, e aos poucos o público começou a perder o respeito pelo
único veículo de crítica de imprensa em nosso país. Não posse
explicar as razões formais do fim do Observatório (doravante
denominado “OI”). Ninguém foi informado em profundidade sobre
como, quando e por que o OI perdeu seu patrocínio e suas condições
de continuar a publicar suas críticas certeiras. Não havia
condições para isso. Chegara a hora do jornalismo cívico e o OI
não estava à altura. Não por incompetência ou má vontade, ou
coisa pior.
O jornalismo cívico
escolhe partidos, candidatos e não pretende agradar a todos ou ser
“imparcial” em política ou qualquer outro tema. O que é a
imparcialidade a não ser pretensão? Como o OI, com seus
patrocinadores ligados aos governos do PT, poderia reagir aos ataques
a uma administração eleita pelo povo? Como fazer quando se quer
evitar o rótulo de “chapa branca” mas suas fontes de
financiamento são parte do governo ou instituições públicas? O
OI sempre publicou pontos de vista de todo o nosso espectro político.
Abrigou por muitos anos um escritor (muito bom por sinal), que sempre
fez oposição ao PT. E seguiu a publicar contribuições de gente
que fazia oposição ao regime eleito nas urnas. Mas sua marca era a
de um veículo da esquerda aos molhos dos leitores.
Seu mais popular
crítico sempre foi um feroz defensor do governo eleito em 2010. Ele
a sós garantia uma boa quantidade de leitores para a “home” do
OI. O comentarista declarou, com muita lucidez, que não havia mais
nada a ser dito sobre a imprensa brasileira. Ele não queria mais
continuar com discursos circulares, que começam e acabam em
jornalismo, sem nunca mudar nada no nosso cenário de imprensa. Como
discordar deste argumento?
Em 2009 eu deixei um
veículo informativo da web, depois de ter lido uma mensagem enviada
pelo editor do blog “Imprensa Marrom” à uma jornalista do
informativo. Ele avisou que o informativo virtual era uma plataforma
para a eleição de José Serra. Descobri que era verdade quando
tentei publicar uma matéria que elogiava uma grande empresa pública
brasileira. Que foi rejeitada. Uma editora da Globo foi contratada
para reorganizar a página da web. Minha colega foi mandada embora.
Pouco tempo depois, a editora global também foi despedida.
Pouco
tempo depois eu enviei um artigo sobre o
jornalista Osvaldo Peralva, ao Observatório da Imprensa. Foi
publicado e elogiado. Escrevi para o OI até o início
deste ano. No dia 30 de março de 2016
eu publiquei meu último artigo no OI. Era
um simples comentário sobre os perigos
estratégicos da Lava-Jato. Um capitão da PM me ofendeu em público,
e nada foi dito ou feito em minha defesa. Eu mesmo recrutei amigos
militantes para responder ao agressor. Eu havia denunciado o perigo
de perdermos um projeto tecnológico de grande importância, graças
a paralisação da economia por razões políticas. Poucos meses
depois os israelenses
(25/8), compraram não só o projeto, mas a firma que o havia
concebido.
A imprensa
brasileira quer convencer e lança mãos de todos os argumentos:
verdadeiros, inventados ou não apurados. O grande erro do PT de Lula
foi acreditar que poderia governar sem a grande imprensa, escoltado
por uma tropa de blogueiros da esquerda. Gente muito boa e decente,
mas incapaz de fazer frente a nossa grande e mal-intencionada
imprensa e seu poder de agendar as leituras um povo não muito bem
educado.
Agendamento, caro(a)
leitor(a), é o oposto de enquadramento. Quando um repórter
“enquadra” um determinado tema, ele escolhe a abordagem para a
pauta, e mantém um certo distanciamento. As conclusões devem ser
deixadas para o leitor. Quando a abordagem conduz o público ao erro,
ou a adotar o ponto de vista da publicação sem questionamento, o
enquadramento passa a chamar-se agendamento: o leitor acaba certo que
o jornal está além de qualquer dúvida e todos devem concordar com
ele.
A cobertura da
Operação Lava-Jato foi uma das maiores operações de agendamento
da História do jornalismo brasileiro recente. Arrasou a tudo e a
todos sem qualquer discriminação que não fosse o apoio ou oposição
radical ao PT; faliu empresas sem relação com nosso problema
político, além de criminalizar a política aos olhos do público.
Nada disso poderia ser publicado no OI.
A
nova administração tentou reequilibrar o ambiente, mas já não
havia condições
para tal. Em março deste ano, quando
Lula foi conduzido à força para depor (4/3), enviei um artigo
explicando a conexão
de um dos principais procuradores da operação com a Operação
Banestado. Em 2003, o
jornalista investigativo
Amaury Ribeiro
Jr, com seu colega Osmar Freitas Jr, na
revista “Isto É” (30/9) o
acusou de obstruir a Operação no governo FHC. Expliquei tudo no
artigo. Não foi
publicado.
Na época, eu também
trabalhava com vários mapas sobre a corrupção durante o governo
FHC. Era um projeto grande, com conteúdo de difícil contestação:
os dados vinham de uma organização internacional que é inimiga de
Lula e do PT. Foi-me prometido a manchete principal para ela. Por
isso abri mão da publicação do texto contra a condução coerciva
de Lula para depoimento à polícia federal. Errei. Errei feio.
Terminei o trabalho,
que ficou muito grande, com seis gráficos que expunham a corrupção
desde 1995 no Brasil. O artigo, se fosse publicado, provaria que Lula
não era o “general” de nossa endêmica rapinagem pública. Mas a
situação havia mudado e o artigo perdeu seu impacto. Mais um texto
meu não publicado pelo OI. Em seis anos isso nunca havia acontecido.
Várias matérias minhas, com o antigo editor, acabaram como
manchetes principais na página do OI. Ou na seleção do editor para
a edição da semana.
O aprofundamento da
crise e dos problemas do OI levaram o mesmo a abrir mão de seu
diferencial principal: a crítica da imprensa. Passou-se a publicação
de pautas estranhas ao OI: medicina, saúde pública, meio ambiente e
outras pautas alheias ao compromisso do OI com a crítica dos meios
de
comunicação. O
público começou a abandonar o OI. Pior, depois do fim da moderação
dos comentários na “home”, os mesmos foram abertos ao púbico do
Facebook sem qualquer tipo de mediação. Os insultos começaram e a
direita avançou contra o OI.
Com a concretização
do impeachment de Dilma Rousseff tudo ficou ainda pior. Em setembro o
OI não estava mais a receber colaborações. O modelo do OI ,
em grande parte baseado no trabalho de colaboradores que
escreviam como voluntários "pro-bono" estava esgotado. Não se pode enfrentar a
grande imprensa com amadores não pagos e sem apoio da redação,
reduzida à impotência e sem meios materiais para continuar seu
trabalho. A voz do Observatório da Imprensa não foi ouvida durante
a crise. Toda a sociedade brasileira sai perdendo. Alguns professores
universitários tentaram preencher a lacuna, mas foi muito pouco, e
muito tarde.
O OI precisa da
colaboração ao público para continuar a publicar. Clique na figura
abaixo para cooperar com a volta do OI:
Nélson de Sá, pela
Folha
de São Paulo (29/8), explicou em detalhes a dura situação do
OI. Não quero assistir o final desta experiência singular e
inovadora. A perda vai ser muito grande para toda a sociedade. Mesmo
que o OI consiga reequilibrar suas contas, nada garante que
continuará com seu bom trabalho de crítica em médio ou mesmo curto
prazo. Voluntarismo não é mais uma opção para novos
colaboradores. O modelo está esgotado.
Lamento a situação
do Observatório da Imprensa. Ele foi meu professor por sei anos. Pôs
meu nome da primeira página, mesmo não tendo sido o único veículo
de imprensa a fazê-lo. A página principal do Observatório sempre
foi um lugar de honra e excelência. Até 2015. O recrudescimento da
crise política no ano seguinte, somada ao abandono dos
patrocinadores impuseram a paralisação ao Observatório da
Imprensa. A sociedade brasileira aguarda ansiosa a sua volta.