Uma vez fui surrealista. Não lembrava mais desta fase quando, a revirar
documentos, encontrei um velho escrito, em papel datilografado em
1990. Nele havia um poema:
Poema
Freudiano
Cataratas
de lágrimas
formam
catedrais submarinas
num
desenho sofrido e cansado
universo
dos desejos submersos.
No
inconsciente louco e atormentado
o
sonho serve ao seu desejo,
e a
vida vai, sem piedade.
A
narrativa que segue o estranho exercício literário e não me é
estranha, todavia. Fala de amores inconfessos, e da possibilidade das
paixões que fogem às nossa consciências. “Escrever”, rabisquei
eu naquele dia, “é uma paixão que deve ser reverenciada”. Edgar
Allan Poe? Já sei de onde tirei as catedrais submarinas. De uma obra
dele e suas imagens surrealistas. Tenho uma ótima edição de bolso
de algumas de suas melhores elaborações. Mas ando em crise
organizacional com meus livros, e várias vezes tive que procurar por
eles na web: o Google organiza meus livros e textos melhor que eu.
Que não encontrei o livro do escrito norte-americano. Esta não é uma reportagem e eu não
preciso citar fontes. Hoje vale o sentimento.
Em
1990, eu estava no último ano da faculdade. Tinha, junto com amigos e amigas uma casa alugada em Búzios. Que ainda não era
o inferno que é hoje. Lembro com saudades daquelas tardes lá na
pequena vila de pescadores. Recordo as brincadeiras de quintal, e do
grupo norte americano REM a tocar “This nos goes to the one I love.
This one one goes to the the one I left, behind”. Ou seja, “esta
vai para para aquela que amo . Ela vai para quem eu deixei para
trás”, dizia a canção. Que eu sempre gostei e nunca esqueci.
Naquelas
tardes em Búzios eu acreditava ter o mundo sob meu controle, sem
saber que na realidade tudo começava a me escapar. Com minha
pretensão a domínios e posses, perdi tempo, amigos e afetos nesta
vida. Pelo menos é o que sugerem o velho manuscrito e a vida
que hoje levo em 2017.