Um
ano após a morte de nossa mãe
Sergio
da Motta e AlbuquerqueHá um ano nossa mãe nos deixou. Um domingo havia terminado em 2017, e eu estava em casa, como hoje: sentado em frente à uma tela. Até chegar a comunicação de sua morte. Passado um ano e terminado o luto oficial, pouco consolo restou. A dor da perda não deu trégua e permanece. Toda manhã é a manhã seguinte da partida inaceitável da nossa mãe.
Nenhuma outra
personagem deixou marca tão profunda em seus filhos. Nossa mãe foi
mais que progenitora: foi nossa salvadora e campeã. Lutou por nós
todos os momentos de sua vida. Arrancou a cada um de nós das garras
da morte escura. Sem ela, somos nada. Ouviu, mãe? Não somos nada.
Recordo a sua
simplicidade nos últimos anos. Lembro a mamãe com aquele agasalho
vermelho e azul, e a boina na cabeça - para esconder a queda dos
cabelos. Nos lábios, sempre um sorriso. Que poderia ser irônico,
agressivo ou amoroso. Ou qualquer combinação entre os humores. E
ainda outros, insondáveis, coisas da alma mais profunda, que até
os filhos desconheciam.
Eu poderia ter
conhecido melhor minha mãe. Só nos tornamos verdadeiramente amigos
no final.
Nossa mãe morreu
consciente. O Alzheimer não levou a sua lucidez, de todo. Já no
Hospital, numa madrugada, ela pediu que nós, seus filhos “déssemos
as mãos”, naqueles seus derradeiros momentos. Nossa mãe pediu
nossa união antes de partir. Foi a última coisa que ela postulou.
Ela sabia que a sua hora havia chegado. Tentamos cumprir o que ele
determinou, em 2017. Mas a morte é um mal terrível e para ela não
há consolo.
Hoje eu não pude ou
não quis dormir. Não houve alívio no ano que passou. Só saudade e
muita melancolia. Não sei dizer adeus à ela. Há um mundo sem rumo
lá fora, e eu sigo a vida que posso viver. Sem a minha - sem a nossa
mãe. A amada a inesquecível vovó Neide, bisavó do Bento, da
Letícia, do Lucas e do Renezinho - nossa campeã de todas as horas -
por onde andará neste dia? Em alguma parte da Criação Divina (eu
Creio!)? No riso dos bisnetos? No amor sincero e profundo dos netos?
Nas saudades daqueles que não tiveram tempo de te conhecer, mas vão
te amar da mesma forma - ou até mais do que nós? Sem dúvida não
estás debaixo daquela lápide onde te deixamos, naquela manhã
ensolarada. Nós todos, que te queríamos tanto, que te amamos a cada dia em nossas vidas, perguntamos sem desejar resposta: onde
fostes que pareces ainda estar entre nós?
Minha irmã, Ana
Maria, pelo Whatsapp, qualificou bem nosso atual sentimento: “mamãe
eterna nos filhos”, ela escreveu. Eu concordei com ela. “Eterna
nos bisnetos”. De novo, apoiei minha irmã. Mamãe, vovó Neide e
bisavó. Ou “bisa”. Ou apenas “Bi’, para Letícia. A única a
ter o privilégio de ter brincado com a bisavó. Ela vai lembrar da
nossa mãe, e contar aos menores sobre todo o amor que ela tão
generosamente espalhou entre nós. As histórias da “Bi” começam
a tomar vida na família. De tudo isso, restou apenas a vontade de
ter vivido mais ao lado dela. De ter sido mais amigo, mais forte,
mais equilibrado e bem-sucedido. Tudo o que eu não fui.
Mãe, hoje eu só
tenho isto a dizer: entre nós não vai haver adeus.
Rio de Janeiro, 18-19 de setembro de 2018