26/3/2017
Sétimo dia da morte de minha
mãe
Sergio da Motta e Albuquerque
O
últimos dias de minha mãe não saem de minha cabeça. Ela foi
diagnosticada, em 2014, com Alzheimer. Estava ainda muito bem. Foi
rude perdê-la em menos de três anos. Eu imaginava que ela ainda
poderia viver até mais uns 5 anos. Pelo menos.
Quando
meu pai morreu, em 1967, tudo foi bem diferente. Súbito, brutal, mas
remoto. Nunca o vi decair. Minha pobre mãezinha
desabou após um tombo que levou. Bateu a cabeça, foi internada e
depois operada para extrair sangue do cérebro. Isso foi em dezembro.
Depois veio a sucessão de internações. Estamos em março de 2017,
e agora ela está morta. Ontem foi a Missa de Sétimo Dia. Na Igreja
dos Capuchinhos.
Tudo
começou com um telefonema que eu recebi de minha irmã, desesperada,
no meio da tarde de uma segunda-feira em novembro de 2016: “-
Sergio, a mamãe caiu”. Eu estava no edifício Avenida Central,
numa loja de computadores. Voltei tão rápido quanto pude. Depois
disso, ela perdeu a visão num olho, e sucumbiu célere ao peso dos
males múltiplos que a acometeram: trombose, insuficiência cardíaca,
uremia, desidratação e pressão descontrolada. Eu não estava lá,
quando ela partiu. Acho que estava com a acompanhante, quando passou
mal. Os médicos vieram, mas nada puderam fazer. Foi o que me contou
minha outra irmã. E foi assim que eu fiquei órfão aos 62 anos de
idade.
Não
consigo aceitar o vazio. A existência de minha mãe tinha um enorme
peso simbólico, para mim. A imagem da enfermeiras do hospital a
mudar, descuidadas, a sua posição na cama, não me sai do
pensamento.”- Ai! Minha cabeça!”, minha mãe gemeu. Elas bateram
a cabeça dela. A sua voz, impossível de ouvir, na maioria das
vezes, daquela vez foi clara. Vai ficar para sempre em minha
lembrança. Eu não sei por quê temos que viver certas situações.
Eu a internei, desta última vez. Estava inchada, e com uma cor
mórbida. Sua queda fora bruta e súbita.
Minha
irmã ligou depois da meia-noite. Era aquele telefonema de um número
que eu tentei não atender por dois ou mais anos. “Aconteceu alguma
coisa?”, perguntei, hesitante., eu já sabia, mas foi o que disse.
Minha irmã respondeu;”-Ah! Aconteceu sim”. E me contou a
história que eu temi a minha vida inteira. Nossa mãe morreu de
choque séptico e parada cardíaca. Aos 89 anos. Parece muito, mas se
não fosse o Alzheimer, ou a Demência Vascular, ela viveria muito
mais. Pelo menos até o início da nona década. Ela merecia isso.
Eu
fui um fraco. Acomodei-me com a situação- totalmente desfavorável
a ela- com aquele médico incompetente, e nunca a levei a um
profissional alternativo. Desacreditei o tratamento medicamentoso que
a matou, mas nunca apresentei alternativa. Como as terapias de
reforço de memória. Limitei-me a aceitar o que decidiram para ela.
E a meus esporádicos exercícios de rememoração.
Pobre
mamãe. Não merecia sofrer tanto. Ela viveu menos de três anos
depois do diagnóstico. E o final foi tão amargo. Eu havia ido lá
no hospital na quinta-feira. Ela se despediu de mim. Ela disse:
“Tchau, Sergio”. Foi a última coisa que minha mãe me disse. Ela
disse à minha irmã, quase no seu último dia, “que estava com
medo de pensar”. Vocês entendem a dor que eu senti, e ainda sinto?
Um
ano depois do veredito médico tenebroso, ela estava a escrever :
“sozinha meditando em nossa sala”. Copiou uma parte de um rabisco
meu. Acrescentou coisas. Depois escreveu uma oração para ter paz na
casa. Nós demos agendas a ela, para estimular a escrita, que ela
sempre gostou. Ela tentou escrever. Marcava os dias e as horas. As
vezes com intervalo de 1 minuto. A sua luta foi inglória. Ela
tentou, e tentou. Mas a vida chegava ao fim, para ela.
Menos
de três anos, foi o que ela viveu depois da notícia dos médicos. Muito pouco tempo. O tratamento, quimioterápico, foi impiedoso
sobre o organismo dela. Toneladas de comprimidos a mataram. Seu tombo
foi causado por medicação. Poderia ser evitado. Todos nós erramos
com ela. Principalmente quando não notamos a insuficiência
cardíaca. Ela perdeu todo o preparo físico, e nós não a levamos a
um cardiologista. Seu geriatra disse que a condição dela, o enorme
débito físico “era função do Alzheimer”. E nós acreditamos...
E
assim foi embora minha mãe. Maltratada pela doença mal
diagnosticada. Seu tratamento apressou seu fim. Como acontece com
muitos outros idosos com algum tipo de demência. Se você tem algum
parente a cuidar com estas síndromes, mantenha a consciência de seu
ente querido o mais que puder. Não dê ouvidos demais aos médicos.
Deixe que seu pai ou mãe se divirtam, e retarde ao máximo qualquer tipo de
providência para privá-los da independência, já bastante limitada nesta idade.
Acima
de tudo, cuidado com o excesso de medicação. Proteja quem ama com
carinho, amor e conversas. Muitas conversas e diversão. Minha mãe
teve muito pouco das duas. Elas podem salvar seu pai ou a sua mãe de
um fim mais triste. Podem prolongar a qualidade de sua vidas.
Nenhum médico conhece nossos pais como nós
mesmos. Nunca desconfie de sua intuição. Se você tem uma, siga-a.
E esqueça o médico.