Algumas delas parecem atravessar a eternidade. Há
alguns anos encontrei -dentro de uma gaveta de armário da sala - o
diário escrito de minha mãe. Ela começou a escrevê-lo nos anos de
1940, enquanto a selvajaria da guerra envolvia o planeta. Não tive
pudores ao ler o que minha mãe escreveu.
Não havia nada demais lá. Nenhum segredo de
família ou contradição oculta. Ela escreveu sobre conhecer meu
pai, e sobre a esperança que teve em construir uma vida em
colaboração diária. E sobre as missas de domingo que os dois
frequentaram, antes do almoço na casa de meu avô. E tudo isso
aconteceu bem aqui, pelas ruas e praças que frequento ainda hoje.
Descobri que minha mãe , e meu pai também, foram verdadeiros
católicos. As missas para eles não eram obrigação. Eles realmente
saiam felizes daquelas celebrações católicas. Jamais pude replicar
este sentimento.
Em um certo ponto de sua confissões, ele se
perguntou sobre o tempo que ela e meu pai teriam juntos. Sempre
acreditei que este tipo de questionamento deve ser evitado por
todos, a todo custo.. Mas minha mãe não resistiu à tentação de
tentar pensar o futuro. Os dois não teriam muito tempo juntos.
Um dia revelei a ela o encontro e a leitura de
suas confissões comprometidas ao papel. Perguntei a razão de sua
insegurança com o futuro. Não me parecia compatível com seu modo
de agir e pensar. Se ela sempre viveu o presente, por que perguntar
a Deus quanto tempo de vida teria com meu pai? Na realidade, eu
cobrei dela coerência, em minha inexperiência. Foi quando a lição
foi passada.
Nunca vi tamanho desassombro, na reação de minha
mãe. Imaginei tudo, menos aquela resposta quase indiferente. Ela não
quis saber sequer onde estava tal diário (...) Nem ocupou-se com o
que eu poderia ou não ter lido. Minha mãe era desapegada das
emoções passadas, e tinha a segurança de quem praticou a vida
toda a doutrina do dever cumprido. Tudo o que ela viveu a mantinha
firme em seu rumo. Seu passado estava lá, digno e sóbrio. Em breve
ela estaria em total harmonia com ele. Ela sabia disso, e a enquanto
esperava, rezava. Com uma força que eu sempre considerei beirar a
irracionalidade. Principalmente quando o fim impôs sua verdade dura.
As lições das mães são eternas. Com elas
dialogamos por todas as nossa vidas. Minha mãe soube libertar-se das
emoções nefastas do passado. Foi embora deste mundo livre dos
envolvimentos, compromissos e paixões que destroem tudo aquilo que
tentamos construir nesta vida. Foi a última lição que ela deixou
para nós todos.