terça-feira, 21 de agosto de 2018

Lições de mãe

                                                                                 Sergio da Motta e Albuquerque




Algumas delas parecem atravessar a eternidade. Há alguns anos encontrei -dentro de uma gaveta de armário da sala - o diário escrito de minha mãe. Ela começou a escrevê-lo nos anos de 1940, enquanto a selvajaria da guerra envolvia o planeta. Não tive pudores ao ler o que minha mãe escreveu.

Não havia nada demais lá. Nenhum segredo de família ou contradição oculta. Ela escreveu sobre conhecer meu pai, e sobre a esperança que teve em construir uma vida em colaboração diária. E sobre as missas de domingo que os dois frequentaram, antes do almoço na casa de meu avô. E tudo isso aconteceu bem aqui, pelas ruas e praças que frequento ainda hoje. Descobri que minha mãe , e meu pai também, foram verdadeiros católicos. As missas para eles não eram obrigação. Eles realmente saiam felizes daquelas celebrações católicas. Jamais pude replicar este sentimento.

Em um certo ponto de sua confissões, ele se perguntou sobre o tempo que ela e meu pai teriam juntos. Sempre acreditei que este tipo de questionamento deve ser evitado por todos, a todo custo.. Mas minha mãe não resistiu à tentação de tentar pensar o futuro. Os dois não teriam muito tempo juntos.

Um dia revelei a ela o encontro e a leitura de suas confissões comprometidas ao papel. Perguntei a razão de sua insegurança com o futuro. Não me parecia compatível com seu modo de agir e pensar. Se ela sempre viveu o presente, por que perguntar a Deus quanto tempo de vida teria com meu pai? Na realidade, eu cobrei dela coerência, em minha inexperiência. Foi quando a lição foi passada.

Nunca vi tamanho desassombro, na reação de minha mãe. Imaginei tudo, menos aquela resposta quase indiferente. Ela não quis saber sequer onde estava tal diário (...) Nem ocupou-se com o que eu poderia ou não ter lido. Minha mãe era desapegada das emoções passadas, e tinha a segurança de quem praticou a vida toda a doutrina do dever cumprido. Tudo o que ela viveu a mantinha firme em seu rumo. Seu passado estava lá, digno e sóbrio. Em breve ela estaria em total harmonia com ele. Ela sabia disso, e a enquanto esperava, rezava. Com uma força que eu sempre considerei beirar a irracionalidade. Principalmente quando o fim impôs sua verdade dura.

As lições das mães são eternas. Com elas dialogamos por todas as nossa vidas. Minha mãe soube libertar-se das emoções nefastas do passado. Foi embora deste mundo livre dos envolvimentos, compromissos e paixões que destroem tudo aquilo que tentamos construir nesta vida. Foi a última lição que ela deixou para nós todos.



terça-feira, 5 de junho de 2018

Como afastar um presidente sem destruir a economia de uma país?



Por mais justo e desejado pelos Democratas americanos, o "impeachment" de Trump ainda é uma possibilidade muito remota. Ele nada fez que pudesse comprometê-lo aos olhos da lei de seu país, e convencer 2/3 do Congresso do contrário, no momento, não é algo factível, explicou a BBC (19/5).

A despeito disso, a pressão continua. Piorou depois que presidente publicou um "tweet" mencionando o perdão presidencial a ele mesmo. De qualquer forma, a não ser que as eleições de meio de mandato mudem tudo no equilíbrio de forças no senado e congresso ianques, durante a maior parte do seu atual período, vai ser difícil afastá-lo. 

Se isso acontecer, virá ao apagar das luzes de seu governo. Do mesmo modo que aconteceu com Nixon. Os americanos são pragmáticos: afastar um presidente eleito é ruim tanto para a democracia quanto para a economia. Desvaloriza os contratos públicos e o poder soberano de uma nação, expondo-a a crises econômicas e prejuízos que incidem principalmente sobre a população mais pobre, que não tem dinheiro ou reservas e capital aplicado para superar instabilidades econômicas inesperadas  .

Os políticos americanos tem alguma experiência em afastamento de presidentes por meios legais e por assassinatos. Os brasileiros não. O afastamento de Dilma Rousseff tirou nossa democracia dos eixos, piorou muito o estado de nossa economia e mergulhou o país no caos. Décadas de democracia desceram pelo esgoto publicado em base diária pela imprensa nacional, irresponsável, submissa e mal preparada.

Recolocar o país no caminho do crescimento vai custar muito mais tempo do que   o necessário, graças trauma do "impeachment" de uma presidente que nunca foi culpada de nada para ser expelida do poder, em primeiro lugar.



domingo, 20 de maio de 2018

Lula e o problema ideológico da esquerda brasileira


 Sergio da Motta e Albuquerque

Coisa muito difícil de aceitar neste momento, num país dividido como o nosso, é que qualquer solução que houver para por este país nos eixos de uma vez por todas deverá ser fruto da colaboração entre esquerda e direita. Lula foi grande no início dos anos 2000 porque entendeu isso. Ele foi sindicalista, mas nunca socialista. Quando  líder sindical, seu papel maior foi lutar por mais oportunidades de emprego, dentro de empresas capitalistas. Nas montadoras de autos em São Paulo. Não sei até que ponto o PT prejudicou Lula. Melhor dizendo,  a ideologia hegemônica no partido dos trabalhadores até o final do século passado pode ter agido contra a projeto do ex-presidente.

O ex-metalúrgico apareceu como um enviado místico, para marxistas-leninistas de plantão no final dos anos de 1970. Eles (os marxistas acadêmicos) acreditavam que apenas alguém de origem proletária poderia conduzir este pais à trilha da emancipação de sua pobreza histórica. Durante anos sustentei luta contra este credo e sua argumentação estalinista: nem todo trabalhador é um revolucionário. E revolução nunca foi meta estratégica  a seguir, mas o desenvolvimento do Brasil e a libertação de seu povo da miséria. Quem viu revolução em nosso caminho errou feio.

Nosso povo é conservador e teme mudanças. Qualquer tipo de ação vanguardista assusta a nossa população. Aqui a esquerda enfrenta um problema cultural que não pode ser compreendido pela ideologia ou pelo pensamento marxista produzido em outras parte do planeta, para outras realidades. O grande erro dos marxistas tupiniquins é não entender que o trabalho de Marx (e toda a produção intelectual do pensador alemão) , não foi pensado para a situação como a dos países atrasados, sem um parque industrial totalmente desenvolvido. A teoria da libertação do terceiro mundo elaborada pela esquerda falhou em escala mundial  por ignorar este fato básico: suas premissas de ação revolucionária foram elaboradas para realidades dos trabalhadores  da Inglaterra, Alemanha ou Estados Unidos. Nunca para a América Latina ou África. O marxismo no terceiro mundo nunca saiu de sua infância militante.

Assim como a Alemanha depois de 1848, ainda temos poucos historiadores neste país que não estejam a serviço da ideologia. Qualquer que seja ela. Historiadores são cidadãos e não são neutros, mas não podem viver em eterno a perseguir a transformação social sem entender muito bem a realidade em que vivem. O mesmo vale para todos os acadêmicos e estudiosos progressistas. Conciliar o vanguardismo da esquerda  com as necessidades  pragmáticas e os anseios concretos do povo brasileiro é a tática a seguir na estratégia de luta por um Brasil melhor e mais digno.

domingo, 25 de março de 2018

“ Tchau, Sergio” ou Como evitar que seu pai ou mãe morra por um tratamento de Alzheimer

                                                                                            26/3/2017 Sétimo dia da morte de minha mãe

                                                                                                                                       Sergio da Motta e Albuquerque


O últimos dias de minha mãe não saem de minha cabeça. Ela foi diagnosticada, em 2014, com Alzheimer. Estava ainda muito bem. Foi rude perdê-la em menos de três anos. Eu imaginava que ela ainda poderia viver até mais uns 5 anos. Pelo menos.


Quando meu pai morreu, em 1967, tudo foi bem diferente. Súbito, brutal, mas remoto. Nunca o vi decair. Minha pobre mãezinha desabou após um tombo que levou. Bateu a cabeça, foi internada e depois operada para extrair sangue do cérebro. Isso foi em dezembro. Depois veio a sucessão de internações. Estamos em março de 2017, e agora ela está morta. Ontem foi a Missa de Sétimo Dia. Na Igreja dos Capuchinhos.

Tudo começou com um telefonema que eu recebi de minha irmã, desesperada, no meio da tarde de uma segunda-feira em novembro de 2016: “- Sergio, a mamãe caiu”. Eu estava no edifício Avenida Central, numa loja de computadores. Voltei tão rápido quanto pude. Depois disso, ela perdeu a visão num olho, e sucumbiu célere ao peso dos males múltiplos que a acometeram: trombose, insuficiência cardíaca, uremia, desidratação e pressão descontrolada. Eu não estava lá, quando ela partiu. Acho que estava com a acompanhante, quando passou mal. Os médicos vieram, mas nada puderam fazer. Foi o que me contou minha outra irmã. E foi assim que eu fiquei órfão aos 62 anos de idade.

Não consigo aceitar o vazio. A existência de minha mãe tinha um enorme peso simbólico, para mim. A imagem da enfermeiras do hospital a mudar, descuidadas, a sua posição na cama, não me sai do pensamento.”- Ai! Minha cabeça!”, minha mãe gemeu. Elas bateram a cabeça dela. A sua voz, impossível de ouvir, na maioria das vezes, daquela vez foi clara. Vai ficar para sempre em minha lembrança. Eu não sei por quê temos que viver certas situações. Eu a internei, desta última vez. Estava inchada, e com uma cor mórbida. Sua queda fora bruta e súbita.

Minha irmã ligou depois da meia-noite. Era aquele telefonema de um número que eu tentei não atender por dois ou mais anos. “Aconteceu alguma coisa?”, perguntei, hesitante., eu já sabia, mas foi o que disse. Minha irmã respondeu;”-Ah! Aconteceu sim”. E me contou a história que eu temi a minha vida inteira. Nossa mãe morreu de choque séptico e parada cardíaca. Aos 89 anos. Parece muito, mas se não fosse o Alzheimer, ou a Demência Vascular, ela viveria muito mais. Pelo menos até o início da nona década. Ela merecia isso.

Eu fui um fraco. Acomodei-me com a situação- totalmente desfavorável a ela- com aquele médico incompetente, e nunca a levei a um profissional alternativo. Desacreditei o tratamento medicamentoso que a matou, mas nunca apresentei alternativa. Como as terapias de reforço de memória. Limitei-me a aceitar o que decidiram para ela. E a meus esporádicos exercícios de rememoração.

Pobre mamãe. Não merecia sofrer tanto. Ela viveu menos de três anos depois do diagnóstico. E o final foi tão amargo. Eu havia ido lá no hospital na quinta-feira. Ela se despediu de mim. Ela disse: “Tchau, Sergio”. Foi a última coisa que minha mãe me disse. Ela disse à minha irmã, quase no seu último dia, “que estava com medo de pensar”. Vocês entendem a dor que eu senti, e ainda sinto?

Um ano depois do veredito médico tenebroso, ela estava a escrever : “sozinha meditando em nossa sala”. Copiou uma parte de um rabisco meu. Acrescentou coisas. Depois escreveu uma oração para ter paz na casa. Nós demos agendas a ela, para estimular a escrita, que ela sempre gostou. Ela tentou escrever. Marcava os dias e as horas. As vezes com intervalo de 1 minuto. A sua luta foi inglória. Ela tentou, e tentou. Mas a vida chegava ao fim, para ela.

Menos de três anos, foi o que ela viveu depois da notícia dos médicos.  Muito pouco tempo. O tratamento, quimioterápico, foi impiedoso sobre o organismo dela. Toneladas de comprimidos a mataram. Seu tombo foi causado por medicação. Poderia ser evitado. Todos nós erramos com ela. Principalmente quando não notamos a insuficiência cardíaca. Ela perdeu todo o preparo físico, e nós não a levamos a um cardiologista. Seu geriatra disse que a condição dela, o enorme débito físico “era função do Alzheimer”. E nós acreditamos...

E assim foi embora minha mãe. Maltratada pela doença mal diagnosticada. Seu tratamento apressou seu fim. Como acontece com muitos outros idosos com algum tipo de demência. Se você tem algum parente a cuidar com estas síndromes, mantenha a consciência de seu ente querido o mais que puder. Não dê ouvidos demais aos médicos. Deixe que seu pai ou mãe se divirtam, e retarde ao máximo qualquer tipo de providência para privá-los da independência, já bastante limitada nesta idade.
Acima de tudo, cuidado com o excesso de medicação. Proteja quem ama com carinho, amor e conversas. Muitas conversas e diversão. Minha mãe teve muito pouco das duas. Elas podem salvar seu pai ou a sua mãe de um fim mais triste. Podem prolongar a qualidade de sua vidas. 

Nenhum médico conhece nossos pais como nós mesmos. Nunca desconfie de sua intuição. Se você tem uma, siga-a. E esqueça o médico.


domingo, 18 de março de 2018

Para não dizer adeus




Um ano após a morte de nossa mãe
                                                                                                               Sergio da Motta e Albuquerque

Há um ano nossa mãe nos deixou. Um domingo havia terminado em 2017, e eu estava em casa, como hoje: sentado em frente à uma tela. Até chegar a comunicação de sua morte. Passado um ano e terminado o luto oficial, pouco consolo restou. A dor da perda não deu trégua e permanece. Toda manhã é a manhã seguinte da partida inaceitável da nossa mãe.


Nenhuma outra personagem deixou marca tão profunda em seus filhos. Nossa mãe foi mais que progenitora: foi nossa salvadora e campeã. Lutou por nós todos os momentos de sua vida. Arrancou a cada um de nós das garras da morte escura. Sem ela, somos nada. Ouviu, mãe? Não somos nada.

Recordo a sua simplicidade nos últimos anos. Lembro a mamãe com aquele agasalho vermelho e azul, e a boina na cabeça - para esconder a queda dos cabelos. Nos lábios, sempre um sorriso. Que poderia ser irônico, agressivo ou amoroso. Ou qualquer combinação entre os humores. E ainda outros, insondáveis, coisas da alma mais profunda, que até os filhos desconheciam.
Eu poderia ter conhecido melhor minha mãe. Só nos tornamos verdadeiramente amigos no final.

Nossa mãe morreu consciente. O Alzheimer não levou a sua lucidez, de todo. Já no Hospital, numa madrugada, ela pediu que nós, seus filhos “déssemos as mãos”, naqueles seus derradeiros momentos. Nossa mãe pediu nossa união antes de partir. Foi a última coisa que ela postulou. Ela sabia que a sua hora havia chegado. Tentamos cumprir o que ele determinou, em 2017. Mas a morte é um mal terrível e para ela não há consolo.

Hoje eu não pude ou não quis dormir. Não houve alívio no ano que passou. Só saudade e muita melancolia. Não sei dizer adeus à ela. Há um mundo sem rumo lá fora, e eu sigo a vida que posso viver. Sem a minha - sem a nossa mãe. A amada a inesquecível vovó Neide, bisavó do Bento, da Letícia, do Lucas e do Renezinho - nossa campeã de todas as horas - por onde andará neste dia? Em alguma parte da Criação Divina (eu Creio!)? No riso dos bisnetos? No amor sincero e profundo dos netos? Nas saudades daqueles que não tiveram tempo de te conhecer, mas vão te amar da mesma forma - ou até mais do que nós? Sem dúvida não estás debaixo daquela lápide onde te deixamos, naquela manhã ensolarada. Nós todos, que te queríamos tanto, que te amamos a cada dia em nossas vidas, perguntamos sem desejar resposta: onde fostes que pareces ainda estar entre nós?

Minha irmã, Ana Maria, pelo Whatsapp, qualificou bem nosso atual sentimento: “mamãe eterna nos filhos”, ela escreveu. Eu concordei com ela. “Eterna nos bisnetos”. De novo, apoiei minha irmã. Mamãe, vovó Neide e bisavó. Ou “bisa”. Ou apenas “Bi’, para Letícia. A única a ter o privilégio de ter brincado com a bisavó. Ela vai lembrar da nossa mãe, e contar aos menores sobre todo o amor que ela tão generosamente espalhou entre nós. As histórias da “Bi” começam a tomar vida na família. De tudo isso, restou apenas a vontade de ter vivido mais ao lado dela. De ter sido mais amigo, mais forte, mais equilibrado e bem-sucedido. Tudo o que eu não fui.

Mãe, hoje eu só tenho isto a dizer: entre nós não vai haver adeus.


                                                                          Rio de Janeiro, 18-19 de setembro de 2018

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Onça invadiu Palácio do Itamaraty e não atacou nem um corrupto!

                                                                                                                     Sergio de A.


Animais não faltam ao redor do Palácio do Itamaraty. Afinal, o nosso Distrito Federal fica no Oeste do Brasil, e a região têm fauna variada e abundante. Nesta segunda-feira (21/7), uma delas, do tipo "Pantera Onca", a famosa onça-pintada (ou Jaguar) passou pelas guaritas do Anexo 2 do Palácio desapercebida. Tranquilo,  o animal caminhou, imponente, pelas dependências oficiais e foi embora sem ser notado por humanos. As câmeras registraram: (fonte: youtube, 22/7/2017)

O animal, que costuma caçar à noite, não encontrou nenhum político para mostrar seus "conhecimentos" em abater presas. A onça-zen passou, soberba, a ignorar a podridão que abrigamos em palácios. Pena ela não ter encontrado um grupo da "base aliada"....Que só faz coligações para roubar o povo. Cuidado, políticos! É hora "da onça beber água".....

sexta-feira, 7 de julho de 2017



                                             Eu tenho saudades

                                                                                         Sergio da Motta e Albuquerque


Eu tenho saudades dos bares antigos, das mesas de mármore e do ar respeitoso da gente que os frequentava. Eu tenho saudades dos telefones pretos, que não informavam nossas vidas às grandes empresas e destruíam nossas vidas privadas. Eu tenho saudades da vida privada e da pública também. Pois hoje as tecnologias de comunicação distorcem vidas humanas e criam sociedades de seres desequilibrados. Que não sabem estabelecer bem a diferença entre o que deveria ser íntimo e privado, e nunca público ou publicado.

Eu tenho saudades da vida mais simples, dos livros de papel e dos jornais das bancas. E do café com leite nas manhãs. Eu tenho saudades do jornalismo de verdade, e de mentira, como as crônicas de Nelson Rodrigues. Eu tenho saudades de um Brasil mais pobre e honrado. Que tinha uma fisionomia distinta das outras do planeta, e já não tem mais. Hoje somos como os outros países e os outros povos; queremos apenas consumir mais.

Eu tenho saudades da velha política, quando minha mãe levava-me à Câmara dos Deputados, que ficava no Rio de Janeiro, à Rua Primeiro de Março. Ela me dizia: “- Sergio, o Deputado Abelardo Jurema é líder da minoria, e só tem um terno”. Quantos ternos têm nossos congressistas hoje? Eduardo Cunha, quantos tem e não pode usar onde está? Minha mãe apontou a virtude rara de um político no velho Rio de Janeiro. E por falar na minha cidade, eu tenho saudades do Rio, a Capital da República. Pois Brasília aviltou nossa cidade maravilhosa e fez dela um covil de bandidos, onde crianças são baleadas nas escolas todas as semanas.

Quem duvida que a decadência do Rio foi causada pela transferência da capital para o centro do Brasil não conheceu e viveu no Rio, Capital da República. Não haveriam as quadrilhas super-armadas com o presidente da república aqui na cidade que já foi maravilhosa. Eu tenho saudades de quando não existia Brasília e sua corja de ladrões bilionários, e do Brasil que existia antes dela. E do povo que saía as ruas para enfrentar governos e fazer guerrilha contra a ditadura. E da vergonha na cara, pois não vejo as ruas cheias de gente a protestar contra o governo mais infeliz de nossa história, e sua insana pretensão de continuar governar.

Eu tenho saudades do amor. Que se encontrava nas tardes de domingo, quando íamos aos cinemas. Eu tenho saudades deles , também. Dos cinemas nas ruas, praças e avenidas Eu tenho saudades das quitandas de vendedores portugueses e brasileiros, e odeio “shopping centers” e sua estética do mau-gosto de cidade americana. Eu tenho saudades de quando não existia a Barra da Tijuca, e nós íamos passear lá e ver o caimão nadar na lagoa escura naquela região ainda selvagem.

Eu tenho saudades de jogar linha de passe na cimeira mais alta alto do Corcovado, a 800 metros de altura, com dois amigos e uma bola pequena. Tínhamos o Cristo Redentor só para nós, em 1979. Eu, Ricardo e Luís Antônio jogávamos ali, com a permissão de um policial que deveria estar de guarda, mas já era madrugada e ele dormia, junto com a cidade inteira. E nós ali, a jogar, à beira do precipício. Qualquer descontrole, e a bola caía no abismo. Assim acabavam todos os jogos. Eu tenho muitas lembranças desses brinquedos com meus amigos. Éramos vagabundos e irresponsáveis, por revolta contra um regime que não deixava um jovem explorar sua capacidade criativa. Havia censura. Havia ameaça. Havia prisão, tortura e morte. Havia covardia. E rebeldia. Que um dia me cobraria preço muito alto.

Hoje olho para trás, ingrato. Não conto as minhas bênçãos. A idade chegou e com ela as lembranças que confortam e as certezas que desesperam por não termos mais tempo. Só legados a terceiros. Não poderemos fazer tudo o que planejamos. Não temos mais tempo. E ainda temos tanto a dar. Mesmo assim, a sociedade nos afasta. Não nos quer. Porque temos mais de 60 anos de idade. Pouco importa nossa real condição física, intelectual ou mental.

Eu tenho saudade dos amores que perdi por mau gênio. Por auto-suficiência da juventude. E agora, aos 62 anos, creio ter ainda algum tempo para lembrar o que ficou para trás e nunca será resolvido. A vida é assim: algumas coisas jamais serão resolvidas. Jamais chegarão a termo. Deixaremos este mundo sem que nossas vontades e caprichos se cumpram. Porque Deus nos quer mais humildes, e não reizinhos imprestáveis.

Eu tenho saudades de Deus.

Rio de Janeiro, Sete de Julho de 2017



segunda-feira, 3 de abril de 2017

Cheiro de sangue e de morte


                                                                                                           Sergio


O que mais me impressiona nos homens é a hipocrisia: todos se consideram solidários e humanistas. Todos se julgam ótimas pessoas, segundo suas próprias estimativas. Os brasileiros, então, são campeões mundiais em perfídia. Deles é melhor esconder qualquer tipo de problema, fracasso ou sofrimento. Ele sentem o cheiro do sangue e da morte, e se tomarem conhecimento de graves problemas em alguma pessoa, fugirão dela como o diabo da cruz. Por isso, se alguém quiser manter amizades é melhor aprender a mentir e fingir que está tudo bem sempre. Contar vantagens e disfarçar a dor. Mas, sobretudo, o fundamental é nunca mostrar o sofrimento como uma realidade concreta e inevitável. Todos se afastarão de você como se tivesses lepra. Isso vale para gente da esquerda e da direita: é coisa dos homens, e deles não se pode esperar coisa melhor.

sábado, 25 de março de 2017

Dona Neide chega ao Céu


                                                                                                  Do seu eterno filho
                                                                                                 
                                                                                                                                     Sergio


                                                                                             
                                                    
São Pedro nem viu, mas percebeu o turbilhão na entrada do Portal Celestial. “-O que houve aqui?”, perguntou então o apóstolo guardião. “-Alguém ousou entrar sem autorização?” O Santo chamou um anjo-auxiliar - uma criatura imaterial que o ajuda em sua atividade - e disse a ele: “-Quem estava sendo programado para recebermos hoje, no dia de São José? Olhe a lista.”

O Arcanjo verificou seus registros, iniciou a ladainha de nomes e parou. Pedro protestou: “-Parou por quê? Vamos logo, Anjo preguiçoso”. Pedro sempre teve aquele jeito meio intempestivo. Jesus o escalou para continuar seu trabalho depois Dele por causa disto: ele era forte e combativo, mas sabia a hora de calar e ceder diante do perigo. Só para viver e lutar em dia mais propício. Se não tivesse negado o Cristo aos romanos, não viveria para suceder o Senhor aqui na terra. Pedro era meio malandro. Homem sábio e bom, mas de temperamento difícil.

O anjo respondeu: “-Era ela, Senhor”. Era ela!”

“Ela quem, inspetor? Quem passou e entrou sem minha supervisão?”, arguiu Pedro.

O espírito sutil respondeu:

“ - Era a Dona Neide do Cartório. Ela entrou com uma Procuração de Alguém Muito Importante, meu Senhor”.

Pedro não gostou: “-PROCURAÇÃO? Aqui no Céu não....” Depois parou. Era a Dona Neide que se apresentava a ele. Ela disse:

”- Perdão, meu Santo. Mas eu tenho uma procuração, um documento do Seu Chefe. Com firma reconhecida”. Eu entrei e falei direto com seu Superior. Depois, voltei. Perdão, São Pedro. O Santo espantou-se com o atrevimento. Ela pretendia representar a quem? Quem ousara invadir o Paraíso, para reconhecer a “firma” de Deus, O Criador? E disparou, com seu mau gênio:

“-Aqui, sem minha permissão, os Portões não abrem”, avisou. E a senhora já entrou sem conferência. Passou por cima de mim. A senhora está irregular. I-rre-gu-lar!”, irritou-se o santo. Foi quando um grande estrondo ribombou lá no Céu. Todos calaram. Uma Voz Poderosa Anunciou:

“- Essa é a Dona Neide, Pedro”. Não lembras dela, na Igreja dos Capuchinhos? Ela rezava lá com seu marido, Gilberto, durante aquela Grande Guerra nos anos de 1940. Lembra que eles iam namorar na Praça Afonso Pena? E de como fora felizes até eu chamar o Gilberto? Aquele, do violão? Homem muito gentil.”

Pedro ficou intrigado. O Criador falava por Ela. Deveria ser gente muito especial. Ele comentou:”-Senhor, eu não entendo. Todos tem que passar por mim. Mas ela violou minha regra e ludibriou meu controle."

A Suprema Voz do Universo ensinou: “-Há algumas poucas pessoas que passam por ti, Pedro,  sem que percebas. Elas vêm direto a mim.” Pedro, que sempre foi meio lento para entender as coisas, insistiu, perplexo:

“-Quem foi ela, Senhor? Por que ela entrou sem que eu visse? “ O Criador respondeu: “É por essas e outras que tu sofrestes tanto, Pedro. Mas também foi por isso que te escolhi: és persistente como pedra. Se Eu não fosse quem sou, perderia a paciência contigo”. E o Senhor explicou:

” - A Dona Neide é um espírito livre. Um caso raro de fé em ação. Seu temperamento não era fácil. Não foi simples conviver com ela. Mas ela um dia escreveu algo que chegou a mim, de forma direta. Pelo meu canal exclusivo. Ela escreveu tudo já doente, em agosto de 2015. Leia aqui, Pedro:

Ali estava um pedaço do que parecia papel, mas era apenas substância anímica, etérea e imaterial:

Nele estava escrito:

“- São José. O Esquecido e renegado  "Santo das causas impossíveis". São José não tratou apenas do impossível. Ele cuidou e protegeu o Messias , enquanto ainda era um bebê, e depois ainda ensinou-lhe profissão. Ele construiu o abrigo que protegeu o Senhor”. Depois , ela acrescentou, em agosto de 2015: “-São 14: 57. Estou na nossa sala, meditando. 14: 58”, ela anotou. Ela tentava orientar-se no tempo e no espaço, Pedro. Notou que ela registrou a hora e o local onde estava? Brava mulher! Eu vi que ela lutava com desespero, Pedro, contra um mal que a iria levar daquele mundo. Ela não se rendeu à tristeza. Continuou a luta enquanto pôde. Observe a generosidade: ela escreveu "nossa sala". Nossa, Pedro. Nossa. Dela, dos filhos e dos netos.  Daquele dia em diante eu garanti seu lugar aqui. Ela terá assento Eterno entre nós , paz e trabalho. Pedro estranhou um detalhe: “-Trabalho, aqui em cima? Perguntou. O Senhor de Toda Bondade explicou:”- Ela não vive sem ocupação, Simão Pedro. Vá entender: Eu descansei, depois de Criar o Universo. Mas ela quer continuar. Que seja, então”. E prosseguiu o Senhor:

“-Por isso, Pedro, eu a chamei no dia de São José, e dei a ela o que ela sempre gostou: um documento dos Registros Celestiais para ela reelaborar e apresentar a ti”.

Pedro Insistiu:”-Mas e a Regra do Portão, Senhor? Acaso sou apenas um porteiro? Ela furou a fila, Senhor. E ainda recebeu um presente?” Pedro sempre foi ousado e agressivo. O Senhor, em sua imensa Magnanimidade, encerrou o assunto:

“- Pedro, Pedro. Tu não sabes tudo. Se eu não fosse quem sou, já teria me livrado de ti. Que sujeito mais teimoso! A Dona Neide não sabe ficar sem fazer nada. Ela precisa de trabalho. Necessita senti-se útil. Por isso eu dei uma atividade a ela. Que vai trabalhar aqui, agora. Essa senhora viveu uma vida justa e limpa, homem de pouca Fé. Dona Neide fez de sua estada entre os homens um sendeiro luminoso. Protegeu os pobres, ajudou o Seu Rubens. Lembras dele, Pedro? Parecia um pouco com contigo. Ele dormia na rua, abandonado pela família, pobre demais para sustentá-lo. Eu Olhei por ele. Vi seu sofrimento. Ela o encaminhou para um programa social, deu a ele roupas e lhe devolveu a dignidade. Lembra do Rubens, Pedro? Ele voltou para sua família, e foi feliz mais uma vez entre eles, antes que Eu o chamasse. Aquela mulher fez o que Meu Amado Filho anunciou: 'o que fizeres ao menor dos meus, é a Mim que o fazes'. Entendes agora, Pedro?”

O rosto de Pedro iluminou-se. Ele recordou-se da Dona Neide. “Lembrei, Meu Senhor! Ela havia aqui estado às Portas do Paraíso há alguns meses. Nós a fizemos voltar. Seus filhos ainda estavam muito confusos. Muito tristes e perdidos. Com muito medo de perder a mãe. Ela voltou lá para baixo, por alguns meses. Depois não soube mais dela. O trabalho aqui é muito e pesado”, reclamou. O Senhor continuou:

“Ela já está Comigo há anos, Pedro. Apenas não podia ir naquela hora. Iria machucar muita gente. Ela tocou vidas, mudou destinos e esqueceu de si mesma. Perdeu-se por Amor a Mim. Era uma Alma complicada, mas muito gentil. Vai ser bom tê-la por perto , Pedro. Tu vais ver.”

Pedro completou: “Eu lembro dela, Senhor. Lembro sua trajetória. Dona Neide, do Ministério da Fazenda, da Secretaria de Administração, do Cartório. Da Igreja dos Capuchinhos, do coração de ouro e do gênio difícil. Foi ela quem passou por mim , e nem me respondeu ou parou para ouvir minha proclamação.”

Até o Senhor parecia perder a paciência com Pedro.

“-Aqui tu sabes que não decides nada, Pedro. Essa mulher veio direto a mim. Ela sofreu muito nos seus últimos dias. Eu vi a força quase desesperada de suas orações, em sua casa e lá no hospital. Mas Ela veio em Paz, e agora vai trabalhar conosco na Serventia Celestial. Ela chegou a Mim, porque eu a chamei direto e sem intermediação. Ela agora é a registradora do Céu. Eu não preciso disso nem tu. Mas eu dei o cargo a ela porque é um presente que ela precisa. Ainda. Eu sei. Sou O Onisciente, Onipresente, o Eterno Inexistente. Não sou um ser, como tu fostes, Pedro. Com início e fim. Eu sou o Senhor do Universo, o Ato Perfeito. A Dona Neide ainda vai ajudar muita gente, daqui do céu. Seu trabalho continua. Entendes agora, cabeça-dura?”

Pedro abriu um enorme sorriso. “-Com ela aqui, eu vou poder descansar. Senhor. Trabalho não falta é ela é boa de serviço. Glória a Ti ,  Eterno Soberano. Dona Neide vai fazer todo o Universo brilhar. Ele anda meio fosco. Principalmente o Brasil. Não achas, Meu Senhor?”

O Senhor então sorriu, Soberano e Bondoso, e disse: “-Verdade, Pedro. Eles sempre escolhem o caminho mais difícil, naquele país. E depois ainda dizem que Eu sou brasileiro. Sabe, Pedro, Eu dei a eles o livre arbítrio porque não quero saber de política. Não gosto de discórdia, roubos, corrupção e abusos contra os mais pobres. Política é coisa dos homens. Por isso mesmo é tão suja e a maior razão de seu sofrimento”. E depois proclamou, Imperial:

“- Essa é minha Dona Neide. Abra caminho, Pedro. Dê espaço a ela. Deixe-a trabalhar. Ela agora faz o que sempre quis: obra pelo bem comum, sempre atendendo a todos, cada um de forma diferente. Ela sempre teve esta sabedoria: tratar pessoas diferentes de forma diferente. Ela é minha filha querida. Que ninguém se preocupe com seu espírito, pois ele é Meu e voltou para Mim. Eu responderei por ele. Eu, o Senhor da Vida e da Morte, decreto agora e sempre a felicidade eterna da Dona Neide. Que sejam publicadas nas proclamas celestiais: Aqui está mais uma Filha amada. Junto de Mim para sempre. Aqueles que hoje choram serão consolados. Ela me pediu que olhasse por eles.”

“-Os filhos?”, perguntou Pedro, ansioso. O Senhor disse: “-Sim, eles mesmos. Agora estão meio perdidos. É natural. Ela era uma pessoa muito marcante. Mas tu conheces minha Justiça. Eu sou Aquele que Chamam de O Eterno Compensador. Pois eu trago de volta o equilíbrio e a razão onde quer que se precise. Eu compenso as perdas, os ganhos e ponho tudo em equilíbrio. Hoje eles choram. São humanos. Mas ela vê tudo com outros olhos, agora. Ela está comigo, e Eu a Consolei. Todas as suas preocupações se foram. Eu cuidarei dos seus filhos. Ela hoje é imaterial, mais leve que o ar. Que haja paz no mundo. Que haja Perdão e tolerância. A Dona Neide chegou ao Céu. Ela agora é Eterna Comigo.”

Pedro tinha os olhos cheios d'água. “-No céu também se chora”, consolou o Criador, “- nunca de tristeza, mas por Louvor. Por amor aqueles que lutam pela redenção de suas almas na vida dura na terra. São lágrimas de amor, que homem algum jamais chorou. Pedro, mais uma vez, questionou o Criador: “- Senhor, essa frase não é aquela da musica do Beto Guedes, “Lágrima de Amor?”

Pedro as vezes era temerário e abusado. O Senhor o repreendeu: “- A letra é dele, sim. Mas a Inspiração é Minha. De onde achas que vêm as grandes canções lá na terra? Quem pôs nas mãos, ouvidos e corações dos músicos o dom de encantar as gentes? Aqueles deuses impostores dos gregos e romanos? Apolo? O pobre Orfeu, o amado de Eurídice? Eu o ensinei a tocar a lira, Pedro, para que enganasse o senhor da morte. E mesmo assim o pobre sofredor não resistiu à tentação e perdeu a sua amada. Pobre homem. Por eles enviei Meu Filho”. E prosseguiu:

“-Não é pranto, aquilo que parece choro lá no céu, meu caro Kefás, mas oração e trabalho de ajuda a quem sofre, instruiu o Senhor. “- Aquieta o coração, Pedro”, disse o Rei do Universo. A Dona Neide é assim: comove o mundo, move montanhas e nunca desiste. Calma , meu servo amado. Eu sei o poder que ela tem: Eu mesmo O dei a Ela. Cuida bem da Dona Neide, Pedro. Ela é uma das minhas eleitas. E veio para ficar Comigo”.

São Pedro entendeu tudo e calou-se, comovido. O Senhor Nosso Deus é o Maior contador de todas as Histórias do Universo, e o Editor-Mor de toda a Criação. Suas narrativas nos transportam a outros mundos, onde a dor não existe e os Mistérios da Vida adquirem sentido, ao final de nossas jornadas. Nossa mãe agora os entende. Ela nos consolará.

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O documento sobre São José está comigo, escrito de punho por minha mãe, em Agosto de 2015. Ela está em paz, e que ninguém acredite que seu espírito não pode evoluir, por conta do pranto de quem a amava e ama. Só o Senhor Sabe essas coisas. E agora Ele contou Tudo a Ela. Mamãe está com Deus, em Paz. Eu não. Mas estarei bem, quando chegar a hora. Ainda não fez uma semana que ela se foi.

Agradeço as todos os que se preocuparam comigo. De verdade. De hoje em diante serão todos meus irmãos, pois testemunharam minha dor , e me confortaram.

Fique com Deus, mamãe. Saberemos viver só da tua lembrança. Um dia nos veremos. E voltaremos a sorrir.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Carta à minha prima Lúcia




                                                          Prima Lucia:


Eu não tive a coragem, durante as exéquias de minha mãe, de entrar na capela mortuária. A dor era imensa. O que aconteceria se eu entrasse? Tive medo a noite inteira e não dormi. Encontrei o Rafael, o Mario Valente e o Eugênio no lado de fora. E alguns outros homens de bem. Foram a Guarda de Honra informal de minha mãe. A Nobre Escolta da Dona Neide.

Disse a eles que ia dar uma volta. E fui. Só para retornar aflito e entrar, como criança com medo, ao local do qual fugira em susto e dor. Entrei.

Tu estavas lá e o abraço veio, espontâneo. Ele me confortou. E muito. Foi quase sobrenatural. Teve o poder de diminuir a minha dor. Era como se pudesses transmitir a mim a energia dela, já acabada (?). Prima, teu abraço me salvou naquele dia triste. Foi como abraçar minha mãe pela última vez. Hoje, eu (talvez pelo meu transtorno imenso), acredito que o que aconteceu foi um tipo de milagre. Uma graça recebida. Eu pude chorar um pouco sem ser ou me sentir oprimido. Obrigado, minha prima. Somos considerados “secos” (nós, desta família). Minhas irmãs são desérticas, em suas emoções comigo. Chorar, em frente a elas, nem pensar. Mas nem todos nós somos assim. Eu não me importo com prantos. Carlos Santana, o guitarrista, em 1991, disse que “não há problema algum em chorar. No céu é assim”, disse o músico. Eu concordo. Com uma ressalva. No Céu não se chora por dor, mas por emoção ainda mais digna: o amor a todos os homens e mulheres em busca da redenção.

Obrigado, prima querida.

                                             Sergio da Motta e Albuquerque



terça-feira, 21 de março de 2017

O mundo sem a minha mãe


                                                                                                         Sergio da Motta e Albuquerque


Hoje eu disse adeus à minha mãe. Ela dorme, agora, em uma tumba do Cemitério de São Francisco Xavier. Nada mais sente. Não posso acreditar que nunca mais irei vê-la. Sua imagem, a rezar quase possessa ao final de sua jornada, está fixa em minha alma. Ela sabia que seu fim se aproximava. Sofreu muito antes de partir. E não merecia. É duro saber que não posso mais contar com ela. Não sei bem ao certo como continuar a viver. Ela se foi para sempre. No dia de São José. E deixou este filho aqui, perdido e desprezado pela família. Não tenho mais vontade de viver.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

A menina alemã


                                                                                              Sergio da Motta e Albuquerque                        
fonte:Youtube


No início dos anos 60 eu e minhas irmãs vivíamos, com nossos pais, em um condomínio fechado na Zona Norte do Rio de Janeiro. Lá vivia também uma família alemã. Uma casal idoso que trazia sua neta para brincar conosco. Não sei muito bem por quê: era gente fechada que não mantinha contato com nossos vizinhos. A casa deles era diferente, quase toda fechada, e parecia dizer à nós todos que eles queriam ficar ali sem ser incomodados.

Mas eu lembro que nós, eu e minha irmã mais velha, costumávamos frequentar a casa e brincar com a garota. Seu nome era Martine, e ela era neta do Sr. Franz e da Dona Katharina. Ela nunca conseguiu entender muito bem o Brasil. Fazia confusão, e acreditava que nós (eu e minha irmã) éramos uma gente meio árabe, meio espanhola. Eu ficava entretido com os devaneios e as interpretações teatrais de Martine sobre o que ela imaginava ser a minha família. Ela dançava, fingia tocar castanholas e representava um mundo que estava tão distante dela quanto o meu. Era divertido. E ela era bonita. Alta,  loura e inteligente.

“Eu também tenho uma tia, que se chama Tereza Martinez de La Vega”, dizia ela. Era o tempo do “Zorro” , da televisão. E de Dom Diego de La Vega. O pai do Zorro. Nós não entendíamos muito bem o que ela queria dizer com aquilo: nós falávamos português e não tínhamos parentes árabes ou espanhóis. Mas ela insistia em nos perceber como uma mistura entre os dois.

Um dia nós fomos procurar nossa amiga germânica, quando notamos a confusão na porta da casa de seus avós. Estranhamos bastante: nunca havia ninguém ali, e eles não mantinham relações muito próximas com o pessoal do bairro. Naquele dia foi diferente.

Quando chegamos mais perto, eu ouvi a Dona Katharina dizer: “- Eles mataram o Franz. Mataram o Franz!”. Isso bastou para nos fazer voltar para casa. O assunto era sério. Estava nos jornais. Lembro de meu pai a ler sobre o caso. Ninguém comentou nada conosco. A infância era bem diferente, naquela época.

Nunca soubemos o que de fato aconteceu com o sr. Franz. Seria ele um nazista fugitivo? Por isso eles eram tão reclusos? Onde estava nossa amiga, e quem eram eles, afinal?

O tempo passou e nós nunca tivemos resposta sobre aqueles acontecimentos daquele dia distante. Dona Katharina nunca mais foi encontrada depois daquela manhã. E nós também nunca mais vimos Martine.

Reflexões em um carnaval decadente



 
                                                                                                                       

Reflexão interessante no programa do Sergio Besserman no Canal Curta (!) " O Caminho do Bem". Assuntos importantes são debatidos lá, sob a ótica do pensamento de diversas religiões e crenças. Na sábado (25/11) o tema foi a morte. Um pastor presbiteriano explicou a  tese de Pascal: "Quem se suicida também está em busca da felicidade". Verdade. Mas o mundo não percebe assim.

O suicida não procura sofrimento, ou fuga. Ele, como qualquer um de nós, busca alguma forma de ser feliz. Se não isso, um modo do viver com menos sofrimento, já que a dor é inevitável nesta vida. Infelizmente, o pensamento religioso, autoritário e condenador, não aceita isso. E a miséria acaba imposta. Em nome do amor, impõe-se a aflição sem saída.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Surrealismo de fundo de gaveta



Uma vez fui surrealista. Não lembrava mais desta fase quando, a revirar documentos, encontrei um velho escrito, em papel datilografado em 1990. Nele havia um poema:


Poema Freudiano

Cataratas de lágrimas
formam catedrais submarinas
num desenho sofrido e cansado
universo dos desejos submersos.
No inconsciente louco e atormentado
o sonho serve ao seu desejo,
e a vida vai, sem piedade.


A narrativa que segue o estranho exercício literário e não me é estranha, todavia. Fala de amores inconfessos, e da possibilidade das paixões que fogem às nossa consciências. “Escrever”, rabisquei eu naquele dia, “é uma paixão que deve ser reverenciada”. Edgar Allan Poe? Já sei de onde tirei as catedrais submarinas. De uma obra dele e suas imagens surrealistas. Tenho uma ótima edição de bolso de algumas de suas melhores elaborações. Mas ando em crise organizacional com meus livros, e várias vezes tive que procurar por eles na web: o Google organiza meus livros e textos melhor que eu. Que não encontrei o livro do escrito norte-americano. Esta não é uma reportagem e eu não preciso citar fontes. Hoje vale o sentimento.

Em 1990, eu estava no último ano da faculdade. Tinha, junto com amigos e amigas uma casa alugada em Búzios. Que ainda não era o inferno que é hoje. Lembro com saudades daquelas tardes lá na pequena vila de pescadores. Recordo as brincadeiras de quintal, e do grupo norte americano REM a tocar “This nos goes to the one I love. This one one goes to the the one I left, behind”. Ou seja, “esta vai para para aquela que amo . Ela vai para quem eu deixei para trás”, dizia a canção. Que eu sempre gostei e nunca esqueci.

Naquelas tardes em Búzios eu acreditava ter o mundo sob meu controle, sem saber que na realidade tudo começava a me escapar. Com minha pretensão a domínios e posses, perdi tempo, amigos e afetos nesta vida. Pelo menos é o que sugerem o velho manuscrito e a vida que hoje levo em 2017.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Ainda sobre russos, edições e êrros na informação digital




                                                                                               Sergio da Motta e Albuquerque



Eu estava a assistir o programa “Livros que amei” (outra boa ideia do canal “Curta!”, 30/1), apresentado por um jovem ensaísta convidado para apresentar ao público as suas leituras. O rapaz não economizou nos autores: Nietzsche, Tolstoi e Roland Barthes. Quando se é jovem, agimos como super-potências. Nossa ousadia não tem limites.

Pois bem, o convidado exibiu erudição , mas disse que o nobre escritor russo “contestava a Igreja Católica”. Eu nunca ouvi falar na briga do príncipe Leon Tolstoi com a Igreja de Roma porque ele nasceu ortodoxo, como 99% dos russos. Talvez o ensaísta tenha simplificado seu discurso para uma audiência maior. Não sei. Tudo poderia ser resolvido se houvesse edição no programa. Edição com competência em História, Literatura e Geografia. E bom senso. Alguém que não deixasse o jovem escritor fazer uma declaração equivocada em público Estou pedindo muito?

A falta de edição é uma das pragas da mídia de massas contemporânea. Eu também cometo meus erros. No dia 11, publiquei uma foto de um suposto porta-aviões russo que na realidade era americano. A matéria acabou na capa de um jornal da pequena imprensa. Com uma palavra faltando, logo no primeiro parágrafo. Não tive opção a não ser “abater” a mesma. Foi retirada por mim da edição com 56 comentários. O publicador invisível não gostou do “buraco” na primeira página dele. Ele é um jornalista famoso e experiente. Não entendo seu descuido com aquilo que publica, de um ponto de vista técnico-formal.

Se houvesse edição séria, que tivesse lido pelo menos os dois primeiros parágrafos, nada disso teria acontecido e a integridade do jornal não teria sido violada. Mesmo que eu tenha eventualmente corrigido a matéria (com a devida nota de rodapé a explicar a edição anterior, com erro), o texto ficou de fora daquele dia do periódico. Mas não é admissível uma publicação que se pretende séria publicar títulos que não foram sequer lidos. Na primeira página. A “racional (sic)” é a seguinte: “O título é bom, boas fotos (uma delas errada), um bom gráfico...Publique-se sem maiores considerações”. Ou edição.

Durante seis anos publiquei em um veículo da mídia muito conhecido. Nos cinco primeiros anos a edição foi firme. O toque do editor era visível. Correções eram feitas. Os autores podiam atualizar seus textos. Não é possível fazer jornalismo na web sem atualizações. Observem as maiores revistas mundiais de tecnologia na web. Na Wired, a Ars Technica a CNET e outras, seus artigos estão cheios de registros de alterações. Porque o texto da web demanda depuração (debug), acréscimos e muitas vezes da colaboração dos leitores.

Quem coordena tudo isso é o editor. Não podemos viver sem eles.


União Mundial de Blogueiros

Tech online

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especializada em alta-tecnologia

Uma das publicações mais procuradas

A revista mais irada dos nerds!

Arte e técnica: o melhor nas high-tech notícias

Notícias do mundo digital

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A revista das redes sociais

Info Online - Em Português

El País em Português

O grande de New York

Fogueira das Vaidades

Revista muito respeitada

Portal de Notícias do IG

The Guardian. Um dos melhores.

Parlez-vous?


Documentário "A Revolução digital" - The Digital Revolution"

Assista o documentário apresentado pela Drª Aleks Krototsky, que mostra a evolução da web. Ela traz os maiores nomes da rede, como Tim Berners-Lee, e os presidentes das maiores companhias da internet, para entendermos como ela vem mudando nossas vidas. E como vem sendo transformada de uma grande empreitada coletiva internacional, num "jardim murado", que é propriedade das grandes companhias da web. Teria ela fugido de sua finalidade original? Onde nos leva a experiência com a internet?
Assista ele todo aqui:
http://topdocumentaryfilms.com/virtual-revolution/

Este abaixo é o episódio 1. os outros estão na mesma página (são 4 no total).

http://www.youtube.com/watch?v=NPD4Ep_J81k&list=PL114B076F2F7AA761&feature=player_embedded

"The Virtual Revolution" - Full Documentary here or on Youtube ( in 4 episodes). (see disclaimer below)

"Twenty years on from the invention of the World Wide Web, Dr Aleks Krotoski looks at how it is reshaping almost every aspect of our lives.Joined by some of the web’s biggest names – including the founders of Facebook, Twitter, Amazon, Apple and Microsoft, and the web’s inventor – she explores how far the web has lived up to its early promise". Watch the documentary here:

http://topdocumentaryfilms.com/virtual-revolution/ (full documentary)

This bellow is episode 1. The others (4) are in the same page.
http://www.youtube.com/watch?v=NPD4Ep_J81k&list=PL114B076F2F7AA761&feature=player_embedded

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